sábado, 23 de novembro de 2013

OUTRAS CHUVAS


O guarda-chuva atrás da porta
guarda-se da chuva
atrás da porta que me esconde
onde escondo segredos molhados
                                   de outras chuvas

as uvas – passas – secam
minha alma no quarador
                                   peca
enquanto a água
doura-se espicaçada por punhais celestes

            na retina
descansa a levedura das mágoas
lívidas

os sonhos escorrem pelas paredes
                                   desbotadas dos séculos
como espectros

a sombra sobre o telhado molha-se
por cima impermeável
prata chuva cinza
gotas metálicas cortam
hélices o ar varrem
metáforas encharcadas

                                   – quase me afogo

MEA CULPA

Um beijo na face clara dos meus medos
E um livro jogado sobre a mesa
Aberto em Drummond

Pensei em cortar os pulsos
Mas uma enxaqueca
            aguda e mesquinha
Despistara a minha insanidade nesse instante


Por um triz não fui fatal

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A JUSTIÇA CEGA


no entanto esta
por deficiência visual congênita
tem lá seus desvios éticos
seus tropeços de conduta
e suas preferências óbvias

sabe de longe:
a textura
o aroma
a consistência de uma célula
 “digo – de uma cédula”

domingo, 1 de setembro de 2013

ALGUÉM DE MIM


minha 


Parece que veio alguém.
Será que sou eu?

Parece alguém como eu de um
            lugar diferente,
            de perto, porém.

Parece com alguém que eu já
            vi noutro instante, e,
            no entanto nunca visto.

Parece que eu vi alguém me acenando,
            chamando meu nome, como
            se ali ou além ninguém existisse
            e como se ali mesmo
            eu também não estivesse.

Será que eu ainda sou eu?
Será que ainda eu sou? 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

OUTRA OSTRA


noutra hora
quando muito embora
outro instante de outrora
deslembro o que aqui escorre agora
escarro

parede suja de catarro
ronco de pulmão rouco
uma ideia me ocorre
escorre areia pelas mãos
morro de medo


mordo à risca
            na ponta da língua o segredo saliva
desvelo de novo o novelo
ocorrem sobras de ontem
no roer dos ossos

antes
ontem
do que agora
nunca