quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

LEVEZA


Os sapatos são para os pés
                                               chão:
repercutem os passos
por onde lhes convidam
                                               os pés,
indo distâncias desmedidas,
                                               mal sabidas…

Entretanto,
o ato de não pisar
corresponde a asas
(finas,
            tensas,
                        tenras),
e tudo o que é aéreo
serve de amparo
                        (mesmo quando invisível).

As abelhas, por sua vez,
            não desenvolveram hábitos
                        para chão – pousam;
parecem desequilibrar-se
                                   quando soltas de si,
            enquanto secam orvalhos
                        condensados sob vigília.



Os sapatos, em compensação,
pedem cera ou verniz
quase infelizes ao pé da cama.

Na planta dos pés as flores
                                               já nascem esmagadas.
Ao largo do que se pode ver,
                                               o voo trôpego de uma garça
                                   reflete nuvens indecisas
                        de arrebol. 

OS MISTÉRIOS DE MARILENE


Os mistérios de Marilene
que eu ainda não desvendei
pervagam etéreos
no coração cristalino de um astrolábio
perdido nos confins do nunca.

Os mistérios de Marilene
permeiam lábios impronunciados
em êxtase
úmidos de finalidades afins
desnorteiam-me
de tentar tangê-los e de tentar tingi-los.

Invioláveis mistérios
os de Marilene
circundam a minha cabeça
em mil e um outros
multiplicando-se à medida em que os desejo saber
– mistérios são para seduzir – e é
o que eles me fazem:
incitam consequências volúveis
de evidências dicroicas
aduzem meandros de cores
insinuando um caleidoscópio a que só ela
interfere.
Mistérios estes, os de Marilene!... 

OS LIVROS


Os livros na estante, nem tão distantes dos lírios…
Brancos, os livros ao lado de outros coloridos,
Alados entes desfolhados, alheios colibris…
Passam eras à espera de olhos ávidos,
Vistos, invisíveis, hirtos, intactos monólitos…
Lívidos, os livros de aventuras incríveis,
Vigentes, decorados, esquecidos, improváveis…
Os de talvez e os de “era uma vez…”
Dispostos em tomos, volumes, opúsculos, compêndios…
Vários em um – coleções:
Constelam a visão que se nos vem infinita…

Uns, obra-prima, outros nem… – relativos equívocos,
Indeléveis objetos diretos, transitivos, porém,
Depostos do ponto de vista oposto, os livros
Tem rosto e tem língua – pra não dizer idioma –
Tem verso branco e reverso, e tem rima,
Índex, orelhas, pele, conteúdo de matéria cinza…

Os livros cridos como sidos,
Começados e nunca terminados de ser lidos.
Os livros de ouro, de horas, de pergaminho, de papel,
Didáticos, de bolso, os de finalidades dúbias…
Novidades, os livros enredam desejos, ensejam quimeras,
Aviam receitas, revelam segredos e mitos.
Ficam, entrementes, os livros, lavrados, férteis, fartos…,
Instrumentos de múltiplos sentidos.
Fica, também, a impressão de se vir à tona
A forma de se lhes possuir
E de se tê-los visto.