terça-feira, 27 de dezembro de 2011

IM-PROVÁVEL

ano feliz é ano bom
quando em qualquer lugar
seja futuro desfrutar
agora
como se aqui e ali
nunca passasse da hora
ave de nunca pousar

ano bom não promete
é-se em si
simples e secreto
como uma caixa de bom-bom

AO MEIO

Encontrei-me no meio da tarde,
por engano, por acaso,
perdido de mim,
sem começo nem fim,
todo pela metade.

Com uma seta cravada no peito,
sem meta, sem nome, um sujeito
dividido pelo amor e pelo pecado,
um amante fiel e inconstante
esperando um sinal,
um aviso de alguém,
um recado.

Ai de mim:
meio doce e meio ruim,
reto e vagabundo,
entre a superfície e o fundo,
entre o azul do fumo e a solidão.

Um homem, um menino:
meio gente e meio bicho,
puro e mestiço,
meio santo e outro tanto satanás.

Ninguém sabe da missa a metade…
Não se pode juntar do mesmo lado
morte e eternidade.

Ninguém nunca saberá…
Sou assim:
duas metades distintas
– uma em branco e preto,
a outra retinta.

domingo, 18 de dezembro de 2011

O RIO E O REI

Não ponha a mão no fogo 
Quando ainda se pode afagar. 
Não dê o pescoço à forca 
Quando a força acabar. 
Não faça greve de fome 
Enquanto se pode lutar. 


Isso não é um jogo 
E nem todo jogo tem sempre um vencedor. 
Transpor o que se pode matar em última instância 
Como única solução de salvar? 


Se quiser ver a vida florescer 
Faça-a então brotar à margem, 
Dê sentido natural ao curso, 
Plante uma árvore, 
Quebre o mármore da insistência bruta. 


Não se aprende pela dor o que pode ser fatal. 
Em vez da dor, paz. 


No jogo de xadrez o bispo avança sobre o rei. 
O rio avança para a foz quase sem chegar. 


E a voz de quem tem, deságua sobre nós 
Como lhe convém. 
Por enquanto, neste instante, 
Segue o rio – o rei voltou atrás. 


Uma luz: um Luiz religioso 
Contra um Luiz teimoso 
Muda o jeito de pensar. 
Pelo menos, por agora, segue o rio para o mar… 


Até quando, sabe-se lá… 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

ARTIFICIALIDADE

Por Laet - imagem doméstica.

A QUEM ME OUVE

Alumie a mente novamente, alucinadamente…
Bata o coração, decore a ação pausadamente…

Corra as pernas, escorra esperma ousadamente…
Minta para a morte, anote cada impressão…

Seja livre, escreva um livro de suas anotações…
Beije, brinque, transe, atrase o relógio…

Repare os signos de cada esquina…
Não pare – a vida não espera numa estação…

Repita as velhas piadas, ria de si…
Dê bom-dia, adie a última jornada…

Diga uma palavrinha, um palavrão não ofende,
Diante daquilo que se diz na esplanada

DOM QUIXOTE

Sei chegar aos lugares e me perder
Sou hóspede do vento
E venho dos livros embolorados
Pervagando histórias contadas pelo tempo.

Beijei a bela Dulcinéia nas minhas alucinações,
Declarei guerra aos moinhos de vento
Por amor - talvez por medo esquizofrênico…

E para tanto,
O meu cavalo me segue convicto da expedição
Aonde eu for.

Ao meu lado
O misericordioso serviçal tenta o tempo todo me dissuadir.

A batalha é inglória - quando não há oponente.

O elmo de cobre sobre a face desfalecida não convence.

A armadura sem nobreza alguma me nega uma estirpe
(desertor da realidade: fui internado num hospício
de onde nunca mais saí).

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

QUALQUER LUGAR

Partir
No minuto seguinte voltar
Como se houvera sido só uma viagem
A um céu de outro lugar.
Desvendar o universo no avesso do verso
Que é meu e eu te dou de presente agora para sempre.

Saber
Onde tudo vai dar:
Começo meio e fim - eternidade...
O que se vê aqui é o que se desfaz - miragem
Que amalgama corpo e alma - vertigem de quem ama.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

APÓCRIFO POEMA


réptil voa fuselagem sequestro
relâmpago destro asa lâmina em brasa
três vezes ao dia cápsulas
cópula ato revolto
solta a voz em dissonante canção
vertente do medo ao molho pardo
perdoa esse meu atrabiliário
modo de sER/vir e de sem ti
achar que convém perder(-me)

vou afora ágil ajo
rapto VOLÚPIA estranhamente tua
vileza incerto revide desarma-se
desalmado meu ódio captura
ideogramas estruturas ósseas ouço
Bach no esconso da minha cela óbvio
ovni risca em meu olho apócrifo pOeMa

domingo, 4 de dezembro de 2011

RETICÊNCIA

Não tenho nada a dizer nesta tarde remota
– as cores falam por si. Sol - horizonte além…

Aos cotovelos recolho
cada palavra em língua morta,
toda álgebra
toda prova.
Reservo-me, portanto, ao direito de ocultar
indícios que porventura se levantem contra mim.

Eu não tenho nada a dizer, simplesmente.

Calo, mesmo diante de qualquer gesto de benevolência
(tão raro por sinal),
com o argumento de isenção.

Calo por reserva de indignação e desejo interdito.
Insubmisso, calo.
E, que a minha voz repouse da difusa dialética urbana,
onde pouse um pardal.

Ao desejo, pouco importa a língua à fala,
tudo cala,
tudo consente, afinal.
Estou tão vazio que no oco do universo
o homem pousa na lua.

ÁRIDO

enterre
em
tórrido
chão
a esperança

nivele-se
à superfície
tão
fácil
de
ser
visto

ser-
tão
cerceado
de secura
e solidão

DISCURSIVO

o que eu não digo me cala
não porque o medo me atrapalhe
e a voz me falte

mas é que na maioria das vezes
a razão escolhe escutar

se não em palavras
em gestos frenéticos
ou todo em torpor

o silêncio me redime de mim
e dos que enveredam pelo discurso
maltrapilho de motivos

ainda não é a minha vez

embora a razão escolha bem as palavras
nem sempre consegue tudo dizer

A QUEM DIZER

o que eu digo me fala
se não me falha a memória
nem sempre a razão

digo o que penso e o que não penso
ou que penso que a rapidez no falar
atropele o dito

diz-se do curso que as bocas
tomam por trás das palavras
assentadas numa mudez tímida
ou numa oralidade indagada

às vezes me atrapalha a noção

falo da falta que faz a ausência de alguém
a quem dizer

em outras palavras
signo em que resvala
a boca selada
soa do vácuo a intenção declarada
e não se reserve
apenas às cordas consoantes
aos encontros vocálicos

CORPO DE ALUGUEL

aluguei o meu corpo a mim
por inestimável período
por acaso ele nem me pertence
e não pertence a

sobretudo descartável
o meu não-meu corpo
não depende de mim
– do qual descendo:
adoece
pulsa
respira
e morre
sem eu permitir

de mim mesmo só possuo o nome
a aparência fica por conta da linhagem
destroçada séculos após séculos

e eu nem estava ainda
aqui

VENDAVAIS

O tempo passa
Passa a vida
Nada fica no lugar
Um movimento
Uma estrada
Uma lembrança
Um vendaval

E tudo se espalha mundo afora
Como se estivesse indo embora
Como se nunca mais

O tempo passa
Passo a vida
Cada coisa num lugar
Um momento
Uma palavra
Uma promessa
Outro vendaval

Me dê ao menos uma alegria breve
Uma saudade que me leve
Como um bonde que não há
Uma carta que me traga
Mesmo que ainda vaga
A ilusão de ver você voltar

E tudo fica como está
Tudo fora de lugar