sábado, 22 de setembro de 2012

LILÁS


Minhas palavras fluem azuis
em gotas consoantes
com as nuanças turquesinas
em que voga cada tônica vogal atônita.

Nesta tarde lilás,
por acaso, aliás,
minha frágil poética urbana
percorre Drummonds, Andrades, Meireles, Bilacs,
com a furtiva avidez do engano
de jamais perder o rastro
dos vultos do meu sono.

Mando do meu coração avulso
um poema empedernido…

Entretanto, o meu texto,
embora sem a precisa tessitura, 
forma-se
e toma-se de um sentimento tão próprio,
e tão agudo,
que me transfunde e se irradia, QUASE esvoaçante.

Ah! Se todas as tardes fossem assim!… 

METÁFORA


bem-te-vi borboleteando ao vento,
respirando a seiva do ar-de-dia,
fingindo malmequer…
linda-flor aos regalos de um beija-flor,
transborda o licor do próprio cálice
sobre prímulas amiúde…
boa-noite – o teu perfume me enleva…
vetiver adormecida num quarto-crescente,
repousada sobre o leito de um rio
que se ufana de ostentar
a maior das vitórias-régias
e a glória de uma estrela já consagrada…
jacinto – a tua presença renovada
como a de uma papoula…
sempre-viva sempre meiga…
bebo de estroinas açucenas…
o sabor amaro do absinto me embriaga assaz…
sussurram bocas-de-dragão em meu olvido
cantilenas de narcóticos
enquanto a rosa-dos-ventos vai me guiando
por rotas onde nascem
rosas amarelas, violetas lilases, dálias carmins…
fecundo alvas angélicas, seduzo boninas etéreas,
flerto distraídas camélias,
beijo margaridas na presença de ciumentos cravos,
sonho tenras orquídeas e gardênias…
suave é o beijo-de-frade na boca da noite…
não-obstante, pétalas brancas de adeus
enchem com lágrimas de Santa Catarina
sóbrios olhos d’água…
enrosco-me nos teus braços de mar
entre delírios de lírios e jasmins,
entre carícias de acácias
e de mãos adereçadas com os anéis de saturno…
quanta formosura vê a menina-dos-olhos
através do cristal das tulipas – coisas tão efêmeras,
sobretudo as que se dão de amor-perfeito…
no entanto, o acaso do ocaso é o que nutre os casulos:
daí as borboletas e suas asas irisadas…
do mesmo modo com as alamandras reluzentes,
também com as hortênsias…
ademais, o giro do sol em torno do girassol
descreve a trajetória que percorrem os astros
dando sentido aos versos, aos vícios…
cometas cruzando o céu da boca;
línguas de fogo tangendo crepúsculos;
luas seminuas de marfim, plenas;
telas de onde despencam avencas
rabiscadas de hibiscos…
escrevo cartas náuticas em folhas de outono…
canto aos quatro cantos do mundo…
por fim,
embrenhada nos lençóis freáticos de lavras diamantinas
a minha alma adormece… 

UM MINUTO DE ALEGRIA É UMA ETERNIDADE


Um minuto de silêncio,
A eternidade quer fazer parte do mundo.
Abra a sua casa, o peito, as asas,
Respire fundo.

Viver é estar bem com as pessoas,
Estar de bem com tudo;
sorrir, cantar, agradecer, ceder, se dar;
é amar a todo o momento
a água, o vento, a flor, o ar, os bichos, a floresta.

Então,
Vamos amar mais,
Vamos viver melhor a cada dia,
Vamos amar a nossa própria vida.

ESTRELISMO DESNECESSÁRIO


 a natureza
tem sido
estrela
de documentários

é
preciso praticá-la
mais
com evidência 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PROMETIDA


a Marilene
Uma mulher recém-chegada
atravessou o meu dia
sem culpa, sem respostas,
sem interesse aparente,
sem portar absolutamente nada.

Passou arredia pelos meus olhos
em meio a outras
e sentou-se à frente
de costas para a esfinge.

Desejou em segredo, distraída,
de já pertencer a um destino mais novo.

Devorava-se em suspensão
na troca de impressões irreversíveis.

Demorava-se assim,
afim de que fosse mantida a promessa
de ser tomada algum dia por nubente.

Vivia da promessa ancestral,
da declaração cega feita à mãe…

Pingava ouro dos cabelos – cabelos enovelados
delicadamente
por ventos descomprometidos.


Pelos, pele – tudo
ao modo de pêssegos frescos…
Tinha os olhos quebrantados por revelações
astigmatizadas,
diariamente absorvidas das ocorrências comuns.

Uma mulher de nuvens esgarçadas,
fluida como uma tarde vazia de expedições,
paralisada ao poente…

Ria levemente, tingida de sol,
prismática,
secreta,
rosicler…

Deitava luminosidades dentro
da escuridão eclipsada – e nem era noite
por acaso.

“Essa mesma mulher, agora,
vive desfilando pelos meus poemas
com uma flor entre os dentes”.